Translate

quarta-feira, 12 de junho de 2013

DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE


A discussão e a reflexão sobre diferença, desigualdade e diversidade perpassa pela importância de compreender como a “diferença” se tornou um estigma, e o estigma um adjetivo classificatório. Erving Goffman enriquece este debate quando estabelece a relação que existe entre o estigma e a identidade social dos sujeitos.
Segundo o autor, foram “os gregos que criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”. Atualmente, este conceito evidencia deformidades físicas, culpas de caráter individual e estigmas tribais de raça, nação e religião, que acabam por definir identidades sociais e o status atribuído a elas. Nesse sentido, “A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais” (GOLFFMAN, 1982).
Em nossa sociedade, o estigmatizado é o diferente do normal, uma pessoa considerada estragada e diminuída, que é subjugada a partir do estigma/rótulo que carrega, sofrendo descriminações a partir de seu status social de anormal. Isso porque a criação de um parâmetro de normalidade fez com que as diferenças se tornassem sinônimos de defeitos. Segundo Louro (2003) dentro de uma sociedade hegemonicamente masculina, branca, heterossexual, cristã e ocidental, são nomeados como diferentes todos aqueles que não compartilham desses atributos. Nesse sentido, mulheres, negros, índios, velhos, deficientes, homossexuais etc, compõem o grupo dos estigmatizados.
A criação de normas e parâmetros na sociedade não pode ser pensada como algo imparcial que busca estabelecer regras de conduta e comportamento para o bem comum dos sujeitos sociais. Ao longo da história é possível perceber que os discursos normativos considerados legítimos inicialmente estavam ligados à religião e, posteriormente ao discurso da ciência moderna. Tais discursos quando inseridos e compreendidos dentro do contexto social, cultural e político em que foram criados, evidenciam uma relação direta com as relações de poder e os interesses políticos e econômicos. Focault afirma que,

[...] todo conhecimento, seja ele cientifico ou ideológico, só pode existir a partir de condições políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios de saber [...] Não há saber neutro. Todo saber é político. (FOCAULT, 1979 apud SOUZA; GARCIA, 2006, p. 15).


Pode-se afirmar que os conhecimentos produzidos por civilizações distintas ao longo da história, compõem a diversidade cultural do planeta. As diferenças culturais entre os povos, como também das diversas identidades, são utilizadas como pretexto na hierarquização dos sujeitos e na criação de relações de poder e dominação. Nesse sentido podemos pensar no conceito de Etnocentrismo, que consiste em

julgar a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade.(CARRARA ET al, v.1/ 2010; Pag. 26).

A prática do etnocentrismo sempre esteve atrelada a interesses políticos e econômicos. É através do discurso da existência de cultura superior e inferior, identidades superiores e inferiores, sexo superior e inferior, que se torna viável a hierarquização, a dominação e a exploração. Isso possibilita a justificação e naturalização, por exemplo, a desigualdade racial e de gênero, tendo em vista que os discursos são incorporados de tal forma pelo senso comum através dos processos de Educação Formal e Informal, que a desigualdade passa a ser vista como algo imposto pela própria natureza biológica dos indivíduos.
No processo de educação informal, o próprio estigmatizado passa a naturalizar sua dominação e reproduzi-la. Isso ocorre, por exemplo, quando, no processo de educação informal, as mulheres educam seus filhos e filhas oferecendo processos aprendizagem distintos, de acordo o sexo; de forma que os filhos, do sexo masculino exerçam uma espécie de dominação sobre elas e outras mulheres. Outro exemplo desta naturalização é a “vitimização”. A pessoa estigmatizada por vezes,

é exposta a servidores que vendem meios para corrigir a fala, para clarear a cor da pele, para esticar o corpo, para restaurar a juventude (como no rejuvenescimento através do tratamento com gema de ovo fertilizada), curas pela fé e meios para se obter fluência na conversação.(GOFFMAN, 1982, Pag. 26)

Nesse sentido, o estigmatizado torna-se alvo de mercados específicos para “corrigir” ou “amenizar” seu suposto defeito ou anormalidade.
Já na Educação Formal que é oferecida pelas instituições do estado, os estigmas ainda são reproduzidos e a desigualdade é perpetuada, uma vez que os currículos ainda não se comprometem a reverter esse quadro. Louro (2003) afirma que:

Já a algumas décadas o movimento feminista, o movimento negro e também o movimento das chamadas minorias sexuais vem denunciando a ausência de suas historias, suas questões e suas práticas nos currículos escolares. A resposta a essas denuncias, contudo, não passa, na maioria dos casos, do reconhecimento retórico da ausência e, eventualmente, da instituição, pelas autoridades educacionais, de uma data comemorativa: o dia da mulher, do índio, a semana da raça negra. Acabam por manter o lugar especial e problemático das identidades marcadas e acabam por representá-las a partir das representações e narrativas construídas pelo sujeito central.” (LOURO, 2003a, Pag. 45)

Nosso país tem por regime político a democracia. A constituição de 1988, chamada constituição Cidadã, foi uma grande conquista dos movimentos sociais. Todavia, é possível perceber que ainda existe um abismo entre as conquistas legais e o que de fato se apresenta como avanços na realidade.
A desigualdade de gênero ainda faz com que as mulheres sejam submetidas a uma tripla jornada de trabalho, além de receberem remuneração inferior aos homens nos trabalhos formais. Pessoas negras ainda compõem a maioria dos que estão vulneráveis à pobreza, à violência, além de terem menos oportunidades de estudo ascensão social. Homossexuais são vítimas de violência e discriminação dentro das instituições do Estado que deveriam ser laicas garantindo o acesso aos direitos sem discriminação por orientação sexual.
Faz-se necessário avançar na luta pela conquista de direitos e por uma educação pública cujos currículos prezem pela desconstrução de estigmas, estereótipos, preconceitos e pelo combate a desigualdade. As instituições do Estado devem colocar em prática o princípio da laicidade abraçando a diversidade e promovendo a equidade e o respeito entre os atores sociais.
Neste sentido, este projeto enfatiza o debate sobre Gênero e Sexualidade na Educação. Guacira Louro (2003) define Gênero como “normas prescritivas sobre o que é identificado como masculino ou feminino, em determinado contexto cultural (...).” Essas concepções constituem-se em discursos que implicam “inexoravelmente relações de poder e se inscrevem nos corpos e nas identidades de gênero e sexuais” (SCOTT, 1990).
É preciso compreender também que as identidades de gênero e sexuais não estão necessariamente em conformidade com as expectativas sociais entre o sexo anatômico, o comportamento e o objeto de desejo de um individuo. Como exemplo, podemos citar as travestis:
pessoas cujo gênero e identidade social são opostos ao seu sexo biológico e que vivem cotidianamente como pessoas do gênero da sua escolha – elaboram identidades que não devem ser entendidas como 'copias de mulheres”, mas como formas alternativas de identidades de gênero. (CARRARA ET al,2010, v 2, Pag. 16)


Outro erro frequente é rotular a orientação sexual ou mesmo os gostos e desejos de um indivíduo a partir da sua identidade de gênero. Alguém que se defina com uma identidade de gênero feminina não necessariamente terá interesse sexual e/ou afetivo por alguém de identidade de gênero masculina. Mais uma vez retomo o exemplo das travestis. Mesmo com uma identidade de gênero “oposta”, as expectativas para o seu sexo biológico, não necessariamente vão ter interesse sexual/afetivo por homens ou pessoas de identidade de gênero masculinas. Conforme Louro:
Sujeitos masculinos ou femininos podem ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais (e, ao mesmo, tempo, eles também podem ser negros, brancos, ou índios, ricos ou pobres etc.). O que importa aqui considerar é que – tanto na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade – as identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou acabadas num determinado momento (LOURO, 2004 Pag. 27).
A sexualidade, da mesma forma que o gênero, também é constituída e orientada dentro de um contexto sociocultural e, portanto, não é determinada pelo sexo biológico a partir da lógica da reprodução. Segundo Jeffrei Weeks (2000), a mesma deve ser compreendida como um fenômeno social e histórico. Nesse sentido, o autor refuta conceitos nos quais o sexo é visto como algo instintivo ou 'força absolutamente avassaladora', e defende que a sexualidade é, na verdade, uma construção social, uma invenção histórica, a qual, naturalmente, tem base nas possibilidades do corpo. Entretanto, o sentido e o peso que lhe atribuímos são modelados em situações sociais concretas.
O autor afirma que até o século XIX cabia à religião e à filosofia moral, as preocupações em torno da sexualidade. Entretanto, no mundo moderno e pós-moderno esta se tornou preocupação generalizada de diversos especialistas e instituições que passariam a produzir discursos a fim de controlar, vigiar e punir os comportamentos e identidades sexuais.
Weeks considera Foucault o teórico mais influente da abordagem do construcionismo social, e utiliza alguns conceitos do mesmo: 'dispositivo histórico', no qual a sexualidade é um "aparato histórico" que tinha se desenvolvido como parte de uma rede complexa de regulação social que organizava e modelava ("policiava") os corpos e os desejos” (Foucault, 1993, p.100 apud Weeks); e o conceito de bio-poder de Foucault, que é explicado a partir da análise do desenvolvimento daquilo que ele vê como a 'sociedade disciplinar', que a partir de discursos e instituições, exercem uma regulação social controlando a sexualidade (o corpo, seus desejos, suas práticas, a procriação, etc.).

Foucault aponta quatro unidades estratégicas que ligam, desde o século XVIII, uma variedade de práticas sociais e técnicas de poder. Juntas, elas formam mecanismos específicos de conhecimento e poder centrados no sexo. Elas tem a ver com a sexualidade das mulheres; a sexualidade das crianças; o controle do comportamento pro criativo; e a demarcação de perversões sexuais como problemas de patologia individual. Essas estratégias produziram, ao longo do século XIX, quatro figuras submetidas a observação e ao controle social, inventadas no interior de discursos reguladores: a mulher histérica; a criança masturbadora; o casal que utiliza formas artificiais de controle de natalidade; e o "pervertido", especialmente o homossexual. (WEEKS, 2000)


Nesse sentido pode-se perceber a Educação Formal como um dos aparelhos desta sociedade disciplinar que regula, a partir de discursos e atitudes, os comportamentos de indivíduos e grupos.