Segundo o autor, foram “os gregos que criaram o termo estigma para
se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar
alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem
os apresentava”. Atualmente, este conceito evidencia deformidades
físicas, culpas de caráter individual e estigmas tribais de raça,
nação e religião, que acabam por definir identidades sociais e o
status atribuído a elas. Nesse sentido,
“A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e
o total de atributos considerados como comuns e naturais”
(GOLFFMAN, 1982).
Em nossa sociedade, o estigmatizado é o diferente do normal,
uma pessoa considerada estragada e diminuída, que é subjugada a
partir do estigma/rótulo que carrega, sofrendo descriminações a
partir de seu status social de anormal. Isso porque a criação de um
parâmetro de normalidade fez com que as diferenças se tornassem
sinônimos de defeitos. Segundo Louro (2003) dentro de uma sociedade
hegemonicamente masculina, branca, heterossexual, cristã e
ocidental, são nomeados como diferentes todos aqueles que não
compartilham desses atributos. Nesse sentido, mulheres, negros,
índios, velhos, deficientes, homossexuais etc, compõem o grupo dos
estigmatizados.
A criação de normas e parâmetros na sociedade não pode ser
pensada como algo imparcial que busca estabelecer regras de conduta e
comportamento para o bem comum dos sujeitos sociais. Ao longo da
história é possível perceber que os discursos normativos
considerados legítimos inicialmente estavam ligados à religião e,
posteriormente ao discurso da ciência moderna. Tais discursos
quando inseridos e compreendidos dentro do contexto social, cultural
e político em que foram criados, evidenciam uma relação direta com
as relações de poder e os interesses políticos e econômicos.
Focault afirma que,
[...] todo conhecimento, seja ele cientifico ou
ideológico, só pode existir a partir de condições políticas que
são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os
domínios de saber [...] Não há saber neutro. Todo saber é
político. (FOCAULT, 1979 apud SOUZA;
GARCIA, 2006, p. 15).
Pode-se afirmar que os conhecimentos produzidos por civilizações
distintas ao longo da história, compõem a diversidade cultural do
planeta. As diferenças culturais entre os povos, como também das
diversas identidades, são utilizadas como pretexto na hierarquização
dos sujeitos e na criação de relações de poder e dominação.
Nesse sentido podemos pensar no conceito de Etnocentrismo, que
consiste em
julgar a partir de padrões culturais próprios, como
“certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal”
ou “anormal” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos
outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua
humanidade.(CARRARA ET al, v.1/ 2010; Pag. 26).
A prática do etnocentrismo sempre esteve atrelada a interesses
políticos e econômicos. É através do discurso da existência de
cultura superior e inferior, identidades superiores e inferiores,
sexo superior e inferior, que se torna viável a hierarquização, a
dominação e a exploração. Isso possibilita a justificação e
naturalização, por exemplo, a desigualdade racial e de gênero,
tendo em vista que os discursos são incorporados de tal forma pelo
senso comum através dos processos de Educação Formal e Informal,
que a desigualdade passa a ser vista como algo imposto pela própria
natureza biológica dos indivíduos.
No processo de educação informal, o próprio estigmatizado passa a
naturalizar sua dominação e reproduzi-la. Isso ocorre, por exemplo,
quando, no processo de educação informal, as mulheres educam seus
filhos e filhas oferecendo processos aprendizagem distintos, de
acordo o sexo; de forma que os filhos, do sexo masculino exerçam uma
espécie de dominação sobre elas e outras mulheres. Outro exemplo
desta naturalização é a “vitimização”. A pessoa
estigmatizada por vezes,
é exposta a servidores que vendem meios para corrigir a
fala, para clarear a cor da pele, para esticar o corpo, para
restaurar a juventude (como no rejuvenescimento através do
tratamento com gema de ovo fertilizada), curas pela fé e meios para
se obter fluência na conversação.(GOFFMAN, 1982, Pag. 26)
Nesse sentido, o estigmatizado torna-se alvo de mercados específicos
para “corrigir” ou “amenizar” seu suposto defeito ou
anormalidade.
Já na Educação Formal que é oferecida pelas instituições do
estado, os estigmas ainda são reproduzidos e a desigualdade é
perpetuada, uma vez que os currículos ainda não se comprometem a
reverter esse quadro. Louro (2003) afirma que:
Já a algumas décadas o movimento feminista, o
movimento negro e também o movimento das chamadas minorias sexuais
vem denunciando a ausência de suas historias, suas questões e suas
práticas nos currículos escolares. A resposta a essas denuncias,
contudo, não passa, na maioria dos casos, do reconhecimento retórico
da ausência e, eventualmente, da instituição, pelas autoridades
educacionais, de uma data comemorativa: o dia da mulher, do índio, a
semana da raça negra. Acabam por manter o lugar especial e
problemático das identidades marcadas e acabam por representá-las a
partir das representações e narrativas construídas pelo sujeito
central.” (LOURO, 2003a, Pag. 45)
Nosso país tem por regime político a democracia. A constituição
de 1988, chamada constituição Cidadã, foi uma grande conquista dos
movimentos sociais. Todavia, é possível perceber que ainda existe
um abismo entre as conquistas legais e o que de fato se apresenta
como avanços na realidade.
A desigualdade de gênero ainda faz com que as mulheres sejam
submetidas a uma tripla jornada de trabalho, além de receberem
remuneração inferior aos homens nos trabalhos formais. Pessoas
negras ainda compõem a maioria dos que estão vulneráveis à
pobreza, à violência, além de terem menos oportunidades de estudo
ascensão social. Homossexuais são vítimas de violência e
discriminação dentro das instituições do Estado que deveriam ser
laicas garantindo o acesso aos direitos sem discriminação por
orientação sexual.
Faz-se necessário avançar na luta pela conquista de direitos e por
uma educação pública cujos currículos prezem pela desconstrução
de estigmas, estereótipos, preconceitos e pelo combate a
desigualdade. As instituições do Estado devem colocar em prática o
princípio da laicidade abraçando a diversidade e promovendo a
equidade e o respeito entre os atores sociais.
Neste sentido, este projeto enfatiza o debate sobre Gênero e
Sexualidade na Educação. Guacira Louro (2003) define Gênero como
“normas prescritivas sobre o que é identificado como masculino ou
feminino, em determinado contexto cultural (...).” Essas concepções
constituem-se em discursos que implicam “inexoravelmente relações
de poder e se inscrevem nos corpos e nas identidades de gênero e
sexuais” (SCOTT, 1990).
É preciso compreender também que as identidades de gênero e
sexuais não estão necessariamente em conformidade com as
expectativas sociais entre o sexo anatômico, o comportamento e o
objeto de desejo de um individuo. Como exemplo, podemos citar as
travestis:
pessoas cujo gênero e identidade social são opostos ao
seu sexo biológico e que vivem cotidianamente como pessoas do gênero
da sua escolha – elaboram identidades que não devem ser entendidas
como 'copias de mulheres”, mas como formas alternativas de
identidades de gênero. (CARRARA ET al,2010, v 2, Pag. 16)
Outro erro frequente é rotular a orientação sexual ou mesmo os
gostos e desejos de um indivíduo a partir da sua identidade de
gênero. Alguém que se defina com uma identidade de gênero feminina
não necessariamente terá interesse sexual e/ou afetivo por alguém
de identidade de gênero masculina. Mais uma vez retomo o exemplo
das travestis. Mesmo com uma identidade de gênero “oposta”, as
expectativas para o seu sexo biológico, não necessariamente vão
ter interesse sexual/afetivo por homens ou pessoas de identidade de
gênero masculinas. Conforme Louro:
Sujeitos masculinos
ou femininos podem ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais (e,
ao mesmo, tempo, eles também podem ser negros, brancos, ou índios,
ricos ou pobres etc.). O que importa aqui considerar é que – tanto
na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade – as
identidades são sempre construídas, elas não são dadas ou
acabadas num determinado momento (LOURO, 2004 Pag. 27).
A sexualidade, da mesma forma que o gênero, também é constituída
e orientada dentro de um contexto sociocultural e, portanto, não é
determinada pelo sexo biológico a partir da lógica da reprodução.
Segundo Jeffrei Weeks (2000), a mesma deve ser compreendida como um
fenômeno social e histórico. Nesse sentido, o autor refuta
conceitos nos quais o sexo é visto como algo instintivo ou 'força
absolutamente avassaladora', e defende que a sexualidade é, na
verdade, uma construção social, uma invenção histórica, a qual,
naturalmente, tem base nas possibilidades do corpo. Entretanto, o
sentido e o peso que lhe atribuímos são modelados em situações
sociais concretas.
O autor afirma que até o
século XIX cabia à religião e à filosofia moral, as preocupações
em torno da sexualidade. Entretanto, no mundo moderno e pós-moderno
esta se tornou preocupação generalizada de diversos especialistas e
instituições que passariam a produzir discursos a fim de controlar,
vigiar e punir os comportamentos e identidades sexuais.
Weeks considera Foucault o teórico mais influente da abordagem do
construcionismo social, e utiliza alguns conceitos do mesmo:
'dispositivo histórico', no qual a sexualidade é um "aparato
histórico" que tinha se desenvolvido como parte de uma rede
complexa de regulação social que organizava e modelava
("policiava") os corpos e os desejos” (Foucault, 1993,
p.100 apud Weeks); e o conceito de bio-poder de Foucault, que é
explicado a partir da análise do desenvolvimento daquilo que ele vê
como a 'sociedade disciplinar', que a partir de discursos e
instituições, exercem uma regulação social controlando a
sexualidade (o corpo, seus desejos, suas práticas, a procriação,
etc.).
Foucault aponta quatro unidades estratégicas que ligam,
desde o século XVIII, uma variedade de práticas sociais e técnicas
de poder. Juntas, elas formam mecanismos específicos de conhecimento
e poder centrados no sexo. Elas tem a ver com a sexualidade das
mulheres; a sexualidade das crianças; o controle do comportamento
pro criativo; e a demarcação de perversões sexuais como problemas
de patologia individual. Essas estratégias produziram, ao longo do
século XIX, quatro figuras submetidas a observação e ao controle
social, inventadas no interior de discursos reguladores: a mulher
histérica; a criança masturbadora; o casal que utiliza formas
artificiais de controle de natalidade; e o "pervertido",
especialmente o homossexual. (WEEKS, 2000)
Nesse sentido pode-se perceber a Educação Formal como um dos
aparelhos desta sociedade disciplinar que regula, a partir de
discursos e atitudes, os comportamentos de indivíduos e grupos.